lunes, 2 de febrero de 2015

FERNANDO BRAGA y su poema "Epitalâmio" (en portugués)

FERNANDO BRAGA
Epitalâmio
“Aqui vamos girar em torno do cacto
Às cinco horas da manhã...” [T.S. Eliot]
I
Ó Deus estou em Tua presença,
De joelhos dobrados nesta oração,
Em nome do Senhor Jesus,
Para agradecer-Te e determinar...
...Deus tende piedade dos tristes,
Das crianças, dos loucos e dos poetas,
E de todos que sofrem
Pelas manhãs de aflições
E pelas tardes de fadigas,
E pelas noites de vigílias,
E pelas madrugadas abismais,
Porque nas madrugadas existem
Prisões terríveis nas paredes dos quartos,
E nos banheiros, e nos terraços.
Mas o alívio chegará com a aurora!...
Ó Deus de Misericórdia, dá-me
A espada da Justiça
E me faz usá-la contra os blasfemos
E caluniadores de toda sorte...
Guarda-me, Senhor
II
Dos males podres da carne,
E reativos, e dolosos de pensamentos.
Não me deixes neste caldeirão de dores
A rasgar as vestes,
Onde santos e demônios se confundem.
Meu Deus dá-me Tua Misericórdia
Por que sou triste e aflito,
E faz-me regatado
Do exílio e da escravidão.
Vem, Meu Deus, ao encalço do pródigo
E do estróina,
E me escreve o nome no livro dos longos dias,
Como se fosse hoje o primeiro
Do resto de minha vida.
Retira dos meus ossos a podridão
Dos sentimentos torpes,
E cobre o meu corpo nu com as santas túnicas
Da claridade e das auroras,
Para que possa entrar em Tua vinha
E resplandecer-me do livramento...
Não deixes que dividam e lancem sorte
Sobre minhas vestes...
Ó Deus dos desesperados,
Dá-me a luz ao invés das sombras
E mostra-me o reto caminho
III
Entre os que se cruzam.
Laços, e flechas, e dardos armaram-se
Às alças, e me foram jogados,
Mas por Tua complacência
Não me alcançaram,
E não me atingiu a história
E nem o coração...
Neste meu tempo comum,
Deste-me um poema iluminado,
e me enchi de forças para quebrar
bafejos e sentenças de maldições.
A noite cheira a ervas,
E a pão asmo, e a azeite virgem,
E a sangue de uvas, que serão servidos
Ao jejum dos anjos,
Para cujo banquete me convidaste.
Espalham-se em campos de incensos,
O ouro do trigo e a prata das estrelas
Que nutrem o fértil ventre da Terra,
De onde emana leite e mel.
Não me prometas o esquecimento,
E nem ponhas a fadiga na minha face...
Tua carne e o Teu sangue estão à mostra,
Porque hoje é domingo de ceia,
Onde há pão e vinho à mesa,
IV
Postos à Santa Comunhão dos santos
E à remissão das faltas.
Bem haja Meu Deus, a morte em Cruz,
Do Cristo, Nosso Senhor, e Pai Nosso,
E de suas pisaduras, para O termos
Para sempre em alívio a tantas feridas.
Quase me derramei como água
Ao pé da morte,
Para que fosses, Senhor,
Consagrado às bem-aventuranças
Ditas na Montanha de Tua Memória...
Bendito sejam os que escrevem
Versículos de amor e de inocência.
Não me deixes, Senhor Meu,
Repartido entre demônios,
E zápetes, e curingas...
Eram os selvagens e negros touros de Bazã,
Vindos das terras dos gigantes
Que me queriam, e a meu filho...
Mas as bênçãos nos salvaram!
Fui buscar-Te na pedra angular,
Onde achei o direito,
Para sentir os Teus ungüentos,
E Te vi nos altos dos edifícios,
Entre restos de construções, e tabiques,
V
E plantas, e poças de lama, e de escadas
Que subiam e desciam
Com a mesma dimensão de pressa
E com a mesma sensação de quedas,
E nas rampas, com os barcos...
E canoas... E dragas... E navios...
Eram as águias, como no cântico do Profeta,
A anunciarem que a letra da lei mata
Mas o espírito vivifica.
Homens e crianças, e mulheres,
Partilhavam da mesma chuva
E do mesmo perfume,
E ainda do mesmo discurso
Afortunado e subterrâneo.
E ti vi entre a areia e o mar!
Em quais dos pratos da balança,
Pesaram o meu martírio
E o sal do meu rosto?
Preciso do Teu acalanto e rever-Te
Nos muros da Jerusalém reconstruída,
E guardar novamente
Nas frestas das pedras do templo,
Minha réstia de amor e espera.
Solta o cabo da nau, dá-me o remo nas mãos,
VI
E me deixa navegar
Em direção ao Teu norte de luz
Para que eu siga a justificar-me por inteiro.
Rezei nas barreiras dos conflitos,
Mastiguei a folha da Oliveira,
E me lavei nas águas do Jordão,
E atirei nas ondas do Mediterrâneo
Meu colar que de tão verde
Pensava ser de esperanças.
Não encontrei Arca e nem os Arcanjos,
Mas deixei Contigo meu rogo e meu lamento,
E recebi por isso,
A herança que estava escrita no rolo de Ti.
Ungiste-me, e a todos,
Com o Fogo do Teu Espírito,
E com o Poder da Rua Ressurreição.
Já fui abençoado com as núpcias
Da Tua querença,
E salvo do laço do passarinheiro,
Avassaladores na escuridão da noite,
E ao sol do meio-dia.
Nada devo a ninguém,
Só a Ti, Meu Pai, serei credor na vida
De um décimo de minhas tenças
VII
E de um sétimo de meu tempo.
Firmei uma Aliança Contigo
Até o final de mim,
Para alumiar-me os olhos, Ó Senhor,
E não me deixar adormec er na morte.
Não me equeças, nem me vires o rosto,
E dá-me o legado prometido,
Por minhas mãos serem de justiça.
Eu sou aquele mesmo homem e poeta
A quem aqueceste o corpo e o alimento
E deste a paz e o redimiste...
E renovado, como a águia do Profeta,
Com outra carne, e com outras penas,
E com outras unhas,
Voarei depois em outros rumos
Para guardar-Te na Palavra,
Porque tudo de meu,
O que sou o que sei, vêm de Ti,
Voltei para cumprir a missão determinada,
Mas não descalçarei
As sandálias dos meus pés,
Porque onde piso não é Terra Santa,
Mas chão antigo de gente ímpia,
Dada ao vicio da mentira,
VIII
Da galhofa, e da calúnia,
Como diz em sermão um levita do Amor.
Voltei para cumprir a verdade
E para tomar posse de minha bênção,
E resgatar o eu de meu ficou devido.
Mas voltarei, ainda, Ó Meu Deus,
Ao oráculo donde vim,
Levando os louros
Da vitória reconquistada,
Renascida e à espera ainda
Da unção em dobro do Teu Espírito,
Para que abençoes
Os meus desígnios,
E os dos filhos da minha eugenia,
E os da mulher que destes por minha,
Enquanto canto para sempre à alva,
Versos ao Epitalâmio!...
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[*] Fernando Braga, in “Poemas do tempo comum”, 2009. 

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